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Convergência

E a maior delas é a que anula a própria democracia!

Por Thomas Korontai*
Decorridos 132 anos da Proclamação da República poderíamos nos perguntar se temos uma democracia, ou até mesmo, uma república. Pois, senhoras e senhores que tiverem acesso a este texto, eu diria que não, nem república, nem democracia. Temos sim, um arremedo disso tudo,  pois a república não se estabelece enquanto não houver a consolidação de uma democracia.  E não existe democracia quando esta não possui mecanismos legais de eleições.

Infelizmente, o Brasil tem eleições ilegais desde 1996, quando se implantaram a urnas eletrônicas.  Mas não vou adentrar na arena preferida do TSE, que é a discussão sobre fraudes, fragilidades das urnas, dentre outras questões que pulularam na imprensa e nos debates entre técnicos privados e agentes públicos. O foco é definitivamente a ilegalidade do processo eleitoral.

Sim, ilegalidade, é não é difícil constatar isso, senão vejamos, objetivamente: o sufrágio universal, que define a base da democracia – que é o poder do Povo, na sua etimologia composta – se realiza mediante dois procedimentos imprescindíveis:
1. O momento do exercício do voto, que deve ser sigiloso, secreto;
2. O momento do escrutínio, que se traduz pelo exame e contagem dos votos de forma pública e absolutamente transparente.
E aí eu pergunto a você: o processo eleitoral brasileiro é feito assim?

O TSE – Tribunal Superior Eleitoral – entidade que administra as eleições, julga e aplica condenações nos contenciosos e ainda se presta de fiscalizador das contas dos partidos e candidatos, um verdadeiro ornitorrinco institucional, único nas galáxias – acredita que sim. E tanto acredita que impõe tal crença sobre todos. Ai de quem duvidar das urnas eletrônicas! Bem, eu “não duvido”, mas não posso deixar de denunciar que a segunda parte do sufrágio universal está faltando: o escrutínio público dos votos.

Atualmente, e há praticamente 26 anos, não existe escrutínio, pois foi substituído pela contabilização automática dos votos consignados pelos eleitores nas urnas eletrônicas. O problema é que o artigo 37 da Constituição Federal, uma cláusula pétrea, estabelece 5 princípios a serem obedecidos em todos os atos praticados pelo Estado Brasileiro, desde os municípios até o Distrito Federal, portanto, pelos Três Poderes e pelas três esferas de Poder.  São eles: a moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência e legalidade. Se um destes não for observado, o ato praticado pelo agente público, seja ele quem for, é ilegal, e passível de improbidade, com as consequências esperadas em uma República de respeito.

Bem, que tal juntar os pontos? Se o escrutínio dos votos foi substituído pela contabilização automática dos votos eletronicamente colhidos pela urna eletrônica, está claro que nenhum dos princípios ali estatuídos está sendo observado, senão vejamos:
1. Moralidade – se a contagem dos votos é feita secretamente, ainda que em segundos, pela própria coletora eletrônica dos votos, não é algo que  possa ser considerado moral, nem ético, concorda? Você aceitaria que a eleição do síndico do seu condomínio fosse secreta? Ou a do seu clube de futebol? Ou a da sua escola de samba?
2. Impessoalidade – Se o voto é colhido por um equipamento que possui um software,  que é, na essência, programado por alguém, e considerando que o voto tem de ser direto e secreto, como preceitua o artigo 14 da Constituição Federal, observam-se dois problemas, sendo o primeiro deles, o tratamento do voto por um software feito por humanos,  ferindo a necessária impessoalidade, ainda que não se possa provar qualquer intencionalidade, não deixando de ser, portanto, irregular, e a intercessão do mesmo que deixa de ser direto. Você concorda com mais estas duas irregularidades?
3. Publicidade – esta pode ser a principal irregularidade do processo eleitoral por ser absolutamente indiscutível. O sufrágio universal previsto no artigo 14 da Constituição define, como já dito acima, por si só, como um procedimento composto de duas partes obrigatórias, as quais são, momento de votação secreto e momento do escrutínio público. Como inexiste a segunda parte, pois o voto é eletrônico e apenas eletrônico, um conjunto inauditável de bits, não há possibilidade de escrutiná-lo manualmente. Nesta condição, não se observa a publicidade do voto, ou seja, não é possível revelar o voto dado para um candidato. O escrutínio significa o exame do voto, ato possível apenas com sua existência física. Tal exame, e a respectiva contagem, devem ser feitos de forma transparente, ou seja, diante dos fiscais de partidos e de candidatos e eleitores que forem admitidos para observação. Está claro que isto não existe no Brasil. Você vai continuar aceitando isto?
4 – Eficiência – muito pensam que agilidade no processo eleitoral é o principal aspecto da eficiência, mas quando esta atropela os demais princípios, é obvio que não pode ser considerada de forma linear e simplista. A eficiência deve ser observada sob um conjunto de elementos em busca do melhor resultado, do melhor custo benefício, no interesse público e sob o império da lei. Você acha que ter o resultado imediato após o fechamento da urna eletrônica pode ser considerado como algo eficiente ou apenas uma pressa sem fundamento? Uma providência na direção da eficiência seria, por exemplo, o escrutínio público ser realizado na própria seção eleitoral, uma vez que, cada uma, pode ter no máximo 400 eleitores, o que, convenhamos, é bem pouco, se comparado com aquela balbúrdia do passado, quando milhares de urnas eram reunidas em um só local para a contagem dos votos. Perfeitamente possível contar os votos em uma ou duas horas com absoluta segurança e legalidade, portanto, com eficácia e eficiência. Como existem 570 mil seções eleitorais pelo País, e a média é 250 eleitores por seção, os resultados serão revelados no mesmo dia ainda. Você teria paciência para esperar por mais duas horas pelos resultados?
5 – Legalidade – Se no processo eleitoral for observado algum indício de ilegalidade,  vai afrontar este quinto Princípio. Todo e qualquer ato praticado por agente público é nulo de pleno direito se nele for observada alguma ilegalidade, e até mesmo na legitimidade do próprio agente público que o praticou. Se considerarmos que todos os quatro Princípios não foram observados, e bastaria apenas um deles, não há dúvida nenhuma de que o processo eleitoral brasileiro não é revestido de nenhuma legalidade.

Portanto, como considerar que o processo eleitoral do Brasil seja republicano se, pelas ilegalidades apontadas, solapa a própria democracia? Aliás, tudo isso deveria ser considerado um atentado ao Estado de  Direito! Isto não lhe soa como gravíssimo?

Não, meu caro, nem senhores ministros, não se trata de um artigo opinativo, nem de um conjunto de ilações contra as urnas eletrônicas, até porque, paradoxal ao que se entende como republicano, cidadãos estão proibidos de se manifestarem contra o “suprassumo da tecnologia e lisura” defendidas pelas autoridades eleitorais. Aliás, com deputado preso, outros cassados, jornalistas e cidadão presos por suas opiniões, não podemos considerar que o ideal republicano tenha sido atingido. Estamos muito longe disso.

Parafraseando Emilie Zolá com seu “J’ accuse”, este cidadão que assina este texto, declara: “Je rapporte!”. Sim, eu denuncio ao Povo Brasileiro e ao Mundo, que as eleições brasileiras são ilegais, pois está provado que são. E pior, todos os atos praticados pelos agentes públicos eleitos ou indicados pelos eleitos por meio de eleições ilegais (e não me refiro a fraudes), são nulos de pleno direito. Já pensou se isso fosse levado ao pé da letra? Bem, sob a “teoria do fato consumado”, não há risco de isso ocorrer, porém se continuarmos a aceitar a ilegalidade do processo eleitoral, então não temos nem democracia, nem república, apenas uma Nação sem um país para chamar de seu. É sério! Medite sobre estas drásticas palavras, não são retóricas.

Aliás, muitas outras autoridades como membros do Congresso, incluindo seus presidentes da Câmara e do Senado, e até mesmo o Sr. Presidente da República, têm conhecimento disto, pois foram informados exaustivamente ao longo de pelo menos, nos últimos três anos, pela Coalizão Convergências, a qual coordeno. Estas ações cívicas pela exigência da legalidade de forma objetiva surgiram após o jurista Felipe Gimenez, Procurador do Estado do Mato Grosso do Sul, agindo como cidadão, alertar sobre a não observação do Princípio da Publicidade no artigo 37 da Constituição. Para mim, ao menos, bastou este alerta, pois o foco passou a ser a legalidade e não mais, a fragilidade do processo. Ao logo destes três anos foi possível entender o fulcro da situação, a tal ponto de descobrir que o impedimento do escrutínio é crime tipificado no artigo 7º da lei 1079/50, a mesma que é usada nos casos de impeachment. As conclusões são óbvias… não?

A pergunta que não quer calar, reitero, porque nenhuma autoridade como citei, tomou providências junto ao TSE, ao MPF – a qual também enviamos denúncias, assim como, a todos os MPEs estaduais? Porque o Sr. Presidente da República que declarou recentemente que os militares fiscalizarão todo o processo eleitoral de 2022, aplaudido pela maioria desinformada quanto à ilegalidade patente, não acionou a AGU – Advocacia Geral da União e ao MPF – Ministério Público Federal – para fazer o TSE cumprir a lei? São os tais “mistérios da república”? Deixo claro que a critica é técnica, legalista, e não político-partidária, “taokey?”

São absolutamente desnecessários quaisquer aditivos legais, pois a Constituição, tanto no seu artigo 37, quanto no artigo 14, quanto nos demais artigos com interpretação aplicada ao processo eleitoral e à democracia, como elementos pétreos da Carta Magna, exige a aplicação dos preceitos sem nenhuma necessidade de regulamentação. A proposta da PEC 135, por exemplo, foi uma aberração do ponto de vista da constitucionalidade, o que demonstra que uma Comissão de Constituição e Justiça não pode estar vinculada à uma casa legislativa, para ficar livre de interferências político-partidárias. Mas, para buscar provocar o tema, de uma forma desesperada para ver a Constituição e a lei cumpridas, elaboramos uma sugestão legislativa ao Senado, que, superando a primeira etapa com mais de 20 mil apoios, encontra-se na CDH – Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. A proposta é simples: regulamentar  a publicidade e a moralidade estabelecidas no artigo 37 da Constituição para aplicação no sufrágio eleitoral de todas as eleições do País. Isto aprovado pelo Senado antes das eleições de 2022, não introduz inovação legislativa nas eleições, portanto, não se insere no Principio da Anualidade (Art. 16 da Constituição), podendo ter validade imediata, já que não altera a paridade de forças entre os candidatos. Ao contrário, vai trazer respeito ao processo eleitoral, além da legalidade e legitimidade. A sugestão que ganhou a referência SUG 6/21 é suprapartidária e supra-ideológica, não tem como ser barrada, a meu ver, salvo por pataquada teratológica político-ideológica—partidária, coisas comuns no nosso arremedo de República.

Para fazer andar esta SUG 6, será necessário que senadores com espírito republicano e moralmente imbuídos do espírito da legalidade, até porque se encontram em uma Casa que tem, dentre suas funções, a fiscalização do Poder Público, assumam-na de maneira a transformá-la em Projeto de Lei de Regulamentação do Art. 37 da CF, e a aprovem em Plenário com a urgência que a moralidade da situação exige. Quem sabe assim, as autoridades eleitorais passem a cumprir o que determina a Constituição Federal.

Incrível não? Mas esta é a república que temos 132 anos depois do golpe contra a Monarquia. Ressalva: não sou monarquista. Sobre a república em si, ou o que deveria ser uma república federalista, com instituições muito mais sólidas do que aparentam ser, com seus poderes amplamente descentralizados, é assunto para outras considerações, que podem ser encontradas no site do Instituto Federalista.

Ainda estamos longe de conquistar uma república atabalhoadamente proclamada em 1889, e certamente, um honesto, moral e legal processo eleitoral é o começo de tudo. Obviamente que o processo político, o sistema partidário, o processo legislativo, a implantação de uma democracia de consenso no lugar desta, que polariza indevidamente o País, são reformas que deverão ser feitas, para se consolidar uma respeitável república. Mas contando os votos secretamente, não tem jeito.

*Thomas Korontai é empresário, autor de livros sobre federalismo, Presidente do Instituo Federalista e Coordenador Nacional da Coalizão Convergências.

LINK DO SENADO – E-PLATAFORMA DE CONSULTA PÚBLICA DA SUG-6/21.

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